quarta-feira, novembro 27, 2024

Algodão tolerante à seca

Algodão tolerante à seca

A obtenção de plantas geneticamente modificadas (GM) de algodão com maior capacidade de tolerar os longos períodos de veranico e seca a que são submetidas na principal região produtora do Brasil, o Cerrado, é decorrente de uma cooperação internacional iniciada em 2009 entre a Embrapa e o Japan International Research Center for Agricultural Sciences (Jircas), órgão vinculado ao governo japonês. Consistiu na introdução de um gene denominado DREB (dehidration responsive element bending) em plantas de algodão.

As plantas foram submetidas à retenção de água nas casas de vegetação da Embrapa Arroz e Feijão e mostraram maior desenvolvimento de parte aérea e raiz, assim como aumento de 26% na retenção das estruturas reprodutivas (botões florais, flores e frutos) em relação às plantas não transgênicas sujeitas às mesmas condições de estresse hídrico. O próximo passo é solicitar à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorização para testá-las no campo, o que deverá ser feito na Embrapa Cerrados.

“Trata-se de um resultado muito positivo e promissor para o agronegócio brasileiro”, comemoram a pesquisadora Maria Eugênia de Sá e a estudante de pós-doutorado Magda Beneventi, que conduziram os estudos na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, sob coordenação da pesquisadora Fátima Grossi. Na Embrapa Algodão, as pesquisas foram realizadas pelo pesquisador Giovani Brito, atualmente na Embrapa Clima Temperado. As plantas de algodão tolerantes à seca podem ajudar os cotonicultores brasileiros a enfrentar uma das piores ameaças ao setor hoje no País: a alta ocorrência de veranicos do bioma Cerrado, marcados por longos e fortes períodos de seca.

Um gene poderoso

As pesquisas consistiram na introdução do gene DREB 2A em plantas de algodão para induzir a tolerância à seca. Esse gene já vinha sendo aplicado com sucesso pela equipe da pesquisadora Yamaguchi Shinozaki do laboratório de estresses abióticos do Jircas, tendo resultado no desenvolvimento de plantas de arroz, trigo, tabaco e Arabidopsis thaliana (planta-modelo) com níveis diferenciados de tolerância à seca. O gene DREB está diretamente ligado à expressão de proteínas e a sua principal vantagem é a capacidade de ativar outros genes responsáveis pela proteção das estruturas celulares durante o deficit hídrico. O gene foi disponibilizado pelo instituto japonês, por meio de cooperação técnica existente entre as duas instituições, e sua introdução em plantas de algodão foi uma iniciativa pioneira da Embrapa em nível mundial.

De acordo com as pesquisadoras Fátima Grossi e Maria Eugênia de Sá, as raízes das plantas mostraram-se mais profundas (100%) do que as das plantas convencionais, facilitando a absorção e retenção de água para enfrentar o estresse hídrico. Essa característica é extremamente vantajosa para as condições dos solos de Cerrado, que são do tipo latossolos profundos, com boa capacidade de armazenamento de água, o que favorece a seleção de plantas com sistema radicular mais robusto.

“Em condições de estresse, as plantas de algodão GM foram capazes de absorver água com maior eficiência em relação às não transgênicas, graças ao melhor desempenho morfológico e robustez das raízes (superfície total, comprimento e volume), sem necessidade de gastar muita energia. Consequentemente, apresentaram maiores taxas de fotossíntese, condutância estomática e de transpiração”, explicam as pesquisadoras.

Verificou-se também que o desenvolvimento da parte aérea das plantas de algodão GM foi cerca de 15% superior às convencionais, incluindo a área foliar total, massa seca e altura das plantas, respectivamente. Além disso, foi observado maior número de estruturas reprodutivas (botão floral, flor e maçã) retidas nas plantas GM (em torno de 26%) em comparação com as convencionais, sob condição de estresse severo. Os resultados dessa pesquisa serão publicados na revista norte-americana Plos One.

Lugar privilegiado 

O algodão é um produto de extrema importância socioeconômica para o Brasil. Além de ser a mais importante fonte natural de fibras, garante ao País lugar privilegiado no cenário internacional, como um dos cinco maiores produtores mundiais, ao lado de China, Índia, Estados Unidos e Paquistão. Até a década de 1980, o cultivo de algodão no Brasil era concentrado principalmente nas regiões Nordeste e Centro-Sul. A introdução do bicudo-do-algodoeiro, praga de maior impacto dessa cultura, aliada a outros fatores socioeconômicos e ambientais, devastou as lavouras algodoeiras no período, fazendo com que o Brasil passasse de exportador a importador de algodão. A partir da década de 1990, a cultura migrou para a região do Cerrado e hoje ocupa uma área superior a um milhão de hectares, concentrada principalmente nos estados de Mato Grosso, Bahia e Goiás.

Várias estratégias podem ser utilizadas para reduzir as perdas causadas pela seca, como o manejo adequado do solo e da lavoura e irrigação, entre outras. A biotecnologia tem se consolidado como importante aliada da agricultura nas últimas décadas, pois permite desenvolver variedades adaptadas a diferentes condições de estresses bióticos e abióticos.

Características superiores

Testes realizados em casa de vegetação mostraram que, além de resistir ao deficit hídrico, as plantas de algodão GM também apresentaram sistemas aéreos e radiculares melhores do que as não transgênicas. Isso é de muito impacto porque significa que, além de tolerantes à seca, as plantas possuem características morfológicas superiores. Os próximos passos serão os estudos de fenotipagem a campo e a transferência das características para variedades comerciais de algodão.

O gene DREB está sendo utilizado também pelas Unidades Embrapa Soja e Embrapa Agroenergia para desenvolvimento de plantas de soja e cana com tolerância à seca, sob a coordenação dos pesquisadores Alexandre Nepomuceno e Hugo Molinari, respectivamente.

Controle do bicudo

Paralelamente aos estudos envolvendo a tolerância à seca em algodão, pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e da Embrapa Algodão concentram também esforços em pesquisas aplicadas biotecnologicamente ao controle do bicudo-do-algodoeiro, por meio de estratégias de superexpressão de toxinas Cry (Bt) e de silenciamento gênico, por meio da tecnologia de RNA interferente (RNAi). Após adaptações desenvolvidas na Embrapa, especificamente para este inseto-praga, a equipe conseguiu obter plantas transgênicas que são capazes de interromper o ciclo do bicudo. Essas plantas de algodão GM se encontram em fase de fenotipagem a campo para reintrodução no Programa de Melhoramento do Algodão da Embrapa.

Além de garantir a estabilidade da produção no Cerrado, a Empresa de pesquisa espera contribuir também para o restabelecimento da cultura do algodão na região Nordeste do Brasil.

Parceria entre a Embrapa e o Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), braço tecnológico da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), com participação do Instituto Mato-grossense de Algodão (IMAmt), está também sendo consolidada  e poderá ser crucial para que o Brasil supere os impactos negativos do bicudo-do-algodoeiro.

Outras iniciativas

Outras pesquisas na área de engenharia genética estão sendo conduzidas e merecem destaque. Confira algumas abaixo.  São exemplos de introdução de genes de interesse em espécies vegetais. Pesquisas relacionadas a animais geneticamente modificados serão abordadas em uma próxima edição da revista Ciência para a Vida.

Pesquisa sobre transgenia em cana-de açúcar, com o objetivo de obtenção de cultivares comerciais com maior tolerância à seca, foi iniciada em 2008, sob a coordenação do pesquisador Hugo Molinari, da Embrapa Agroenergia. O trabalho tem apoio do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e do Japan International Research for Agricultural Sciences, empresa de pesquisa vinculada ao governo japonês.

Árvores geneticamente modificadas estão em pesquisa nos Estados Unidos e no Brasil. Segundo a pesquisadora Isabel Gerhardt, da Embrapa Informática Agropecuária, as características introduzidas  têm sido aumento de velocidade de crescimento e produção de biomassa, melhoria da qualidade da madeira, tolerância a estresses bióticos (insetos, doenças) e abióticos (seca, temperatura), tolerância a herbicidas, entre outros. Nos Estados Unidos, uma espécie-símbolo como a castanheira-americana, dizimada pelo cancro, poderá voltar a ser cultivada graças à introdução de um gene de trigo, que a torna mais tolerante ao fungo causador da doença. Essas plantas já foram liberadas para testes em pequenas áreas experimentais. No Brasil, alguns pedidos de liberação planejada no ambiente para pesquisa foram solicitados junto à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para árvores frutíferas, como citros e mamoeiro, envolvendo tolerância a doenças, e também para espécies florestais, como eucalipto, com características de maior velocidade de crescimento e melhoria da qualidade da madeira.

A CTNBio aprovou em 2015 a liberação comercial de eucalipto transgênico, sendo o Brasil o primeiro País a fazê-lo para utilização como floresta plantada. A espécie liberada é um híbrido de Eucalyptus grandis x Eucalyptus urophylla, contendo um gene da planta Arabidopsis thaliana, envolvido em processos de expansão da parede celular e alongamento da célula. De acordo com a pesquisadora Isabel Gerhardt, o eucalipto modificado tem maior produtividade, porque tem velocidade de crescimento acelerada, acumulando maior biomassa de madeira em menor tempo. Nos Estados Unidos, a empresa ArborGen aguarda a aprovação pelo Departamento de Agricultura para plantio comercial de um eucalipto geneticamente modificado mais tolerante ao frio.

A Embrapa Florestas, sob liderança da pesquisadora Juliana Degenhardt-Goldbach, vem desenvolvendo trabalhos de pesquisa com o objetivo de introduzir genes de tolerância à seca em espécies de eucalipto, além de buscar identificar outros genes envolvidos nos processos de aumento de biomassa. O sequenciamento completo do genoma do eucalipto, que teve o pesquisador Dario Grattapaglia, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, como um dos líderes do projeto, também deverá facilitar a identificação de genes e sequências regulatórias importantes para o melhoramento dessa espécie florestal.

A Unidade Mista de Pesquisa em Genômica Aplicada a Mudanças Climáticas (UMIP GenClima),  em Campinas (SP),  reúne, em uma aliança estratégica para o Brasil, as expertises da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Embrapa para o desenvolvimento de tecnologias genéticas e biotecnológicas voltadas à criação de plantas tolerantes a condições ambientais adversas. Esforços dos pesquisadores das duas instituições estão voltados para a prospecção de novos genes de alto valor biotecnológico,  que, transferidos por meio da transformação genética a variedades de plantas, as tornem mais resistentes à seca, a variações de temperatura e a concentrações de dióxido de carbono na atmosfera.

 

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