O que um dia foi um desafio tornou-se uma das principais vantagens competitivas da produção
O que um dia foi um desafio tornou-se uma das principais vantagens competitivas da produção paulista de lúpulo, planta de origem europeia usada na produção de cerveja. O clima quente, que parecia ser prejudicial à cultura, hoje tem permitido a produtores do Estado colherem até três safras no mesmo ano, comparado a duas no Sul do país e a apenas uma no restante do mundo.
“O que a gente tem observado na prática é que a temperatura, que a gente imaginava que tivesse um impacto maior na produção, tem contribuído, e que o fator limitante realmente era o fotoperíodo. O lúpulo precisa de 16 horas de exposição solar e, com a suplementação de luz, a planta vem produzindo até mais do que em climas frios”, afirma o agrônomo da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral do Estado de São Paulo (Cati), em São João da Boa Vista, Evandro da Silveira Bueno.
A presença do lúpulo no Brasil é recente. Os primeiros plantios começaram em 2018, bastante concentrados na região Sul do país, mas com uma expansão mais expressiva na região Sudeste nos últimos cinco anos, segundo o diretor técnico da Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo), Gabriel Fortuna.
De acordo com o último levantamento da associação, feito em 2023, a área plantada no Sudeste ultrapassou pela primeira vez a do Sul do país, atingindo 56,2 hectares. “A maior parte dos nossos clientes está em São Paulo e Minas Gerais. Se a gente for olhar em termos de crescimento, eu colocaria os dois Estados como principais destaques”, afirma Fortuna, que também é consultor e pesquisador da Brazuca Lúpulos, empresa especializada em prestar assessoria técnica a produtores interessados em investir na cultura.
Distribuída em pequenas áreas mantidas por cerca de 30 agricultores, a produção paulista de lúpulo tem se destacado também pela qualidade, que chama a atenção de cervejeiros da região. Em São José do Rio Pardo, a técnica cervejeira Bianca Vitto se impressionou com o frescor e o aroma do lúpulo colhido na cidade vizinha, Mococa.
“Até onde eu sei, o lúpulo é muito difícil de ser cultivado. Então, não esperava que uma região como aqui fosse possível ter um lúpulo desse jeito”, afirma Vitto. Há quatro anos com a Cervejaria É Dela, sua própria marca, ela tem conseguido economizar cerca de um real a cada litro produzido da bebida ao evitar os custos envolvidos na importação do lúpulo produzido no Hemisfério Norte.
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O produtor do lúpulo utilizado na Cervejaria É Dela é o agricultor Mario Mancuso. Com a primeira colheita vendida no ano passado, ele já conquistou medalha de ouro na Copa Brasileira de Lúpulo em 2024 e de prata no concurso deste ano. “Nesse período todo a gente conseguiu chegar a um produto de qualidade, e se tivesse mais lúpulo, conseguiria comercializar”, afirma o produtor.
Ele decidiu investir no cultivo de lúpulo em 2021, inicialmente com 150 pés e, quatro anos depois, a previsão é chegar a 3,3 mil plantas em cerca de um hectare. A área, pequena, foi uma das razões que o levaram ao lúpulo. A ideia de encontrar cultivos que proporcionassem alta rentabilidade em pequenos espaços, aliada à paixão pela cerveja, consolidou a decisão.
A comercialização, contudo, ainda é um desafio diante da pulverização do cultivo em pequenas áreas. Como cada lavoura tem características específicas de aroma e amargor, os produtores têm dificuldade de oferecer grandes volumes padronizados e de fechar contrato com grandes indústrias. Com isso, as vendas são feitas de forma pontual a cervejarias artesanais.
“Eu estou firme, continuo plantando, acredito na cultura, o que a gente produz paga os custos e dá lucro, mas a maior barreira é a comercialização. A gente precisa de mais apoio das cervejarias e que elas comecem a comprar mais o lúpulo nacional”, defende o agricultor.